"É necessário redefinir o que é ser homem": urologista desmonta mitos sobre masculinidade
Num país onde os homens continuam a morrer mais cedo que as mulheres e onde o suicídio masculino atinge números alarmantes, as palavras do urologista Nuno Tomada ecoam como um grito de alerta. "É necessário redefinir o que é ser homem", afirma o especialista, confrontando décadas de estereótipos que matam em silêncio.
A conversa surge no contexto do Dia Internacional do Autocuidado, mas vai muito além de uma data no calendário. Trata-se de uma questão de vida ou morte, literalmente. Os números não mentem: os homens portugueses têm uma esperança de vida inferior à das mulheres, procuram menos os serviços de saúde e apresentam taxas de suicídio significativamente mais elevadas.
O peso dos estereótipos que matam
"No passado, e falamos até de um passado recente, o autocuidado foi erroneamente associado a vaidade ou fragilidade", explica Tomada. Esta visão distorcida da masculinidade tem consequências devastadoras: problemas de saúde mental ignorados, maior taxa de suicídio entre homens, negligência de cuidados médicos preventivos e isolamento emocional.
O médico é claro: "Os preconceitos sociais e estereótipos ligados à masculinidade continuam, em muitos contextos, a impedir que muitos homens cuidem de si". É um sistema que pune quem ousa mostrar vulnerabilidade, que transforma o pedido de ajuda numa marca de "fraqueza".
Para Tomada, a solução passa por "incluir empatia, cuidado, escuta e vulnerabilidade como traços legítimos da masculinidade". Uma revolução silenciosa que pode salvar vidas.
Saúde como direito, não como luxo
O autocuidado masculino, defende o especialista, "vai muito além da higiene ou estética". Trata-se de "um conjunto de práticas que um homem deve adotar no seu dia a dia para cuidar da sua saúde física, mental e emocional".
Entre os pilares fundamentais estão as consultas médicas de rotina, uma alimentação equilibrada, exercício físico e, crucialmente, o apoio psicológico quando necessário. "Está cientificamente comprovado que o autocuidado físico tem uma influência positiva significativa nas dimensões psicológica e emocional", sublinha.
Mas há um obstáculo estrutural: num sistema de saúde sob pressão constante e com listas de espera intermináveis, quantos homens das classes trabalhadoras conseguem aceder a estes cuidados preventivos? A questão fica no ar, mas a resposta é evidente para quem conhece a realidade social portuguesa.
Tecnologia ao serviço da saúde
Numa nota mais otimista, Tomada destaca o papel positivo dos dispositivos de monitorização da saúde: "A minha prática clínica com o feedback dos pacientes sobre estes dispositivos é muito positiva, pois os próprios homens podem ir monitorizando o seu progresso".
Contudo, permanece a questão da acessibilidade. Estes dispositivos, frequentemente caros, estão ao alcance de todos os trabalhadores portugueses?
Um novo modelo de masculinidade
O médico não se limita aos cuidados físicos. Aborda também questões como os procedimentos estéticos masculinos, área em crescimento que revela "a enorme preocupação com o aspeto do seu pénis e escroto" entre homens de todas as idades.
É um sinal dos tempos: os homens começam a quebrar tabus, a falar de inseguranças antes silenciadas. Mas será que esta abertura chegará também aos estratos sociais mais desfavorecidos, ou ficará confinada às classes com maior poder económico?
"Nunca é tarde para começar a cuidarmos de nós", conclui Tomada, embora sublinhe a importância da prevenção desde cedo. Uma mensagem de esperança que deveria chegar a todos os homens, independentemente da sua condição social ou económica.
A revolução da masculinidade está em marcha. Resta saber se será uma revolução para todos ou apenas para alguns privilegiados.